domingo, 25 de janeiro de 2015

Repercussão

- A primeira reação à estreia de Pedra Sobre Pedra veio da cidade de Resplendor. Não a fictícia localidade baiana, claro. Resplendor, na “vida real”, está localizada no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais, e também era conhecida por ser uma próspera produtora de pedras preciosas. Os moradores do município telefonaram à Rede Globo exigindo que a localidade fosse mencionada na trama.

- Outras curiosidades uniam a verdadeira Resplendor à fictícia: uma gruta misteriosa, batizada de Sete Salões e um disputa política entre dois grupos antagônicos, os ‘Corta-Goelas’ e os ‘Pica-Paus’. Devido ao sucesso de Pedra Sobre Pedra, um fotógrafo da cidade, que costumava atrasar suas sessões de fotos, passou a ser chamado de Jorge Tadeu.

- Roque Santeiro, que havia popularizado os astros de Pedra Sobre Pedra entre os moradores da Chapada Diamantina, não trouxe só alegrias a novela das oito. Tão logo começaram as chamadas, os telespectadores passaram a comentar as semelhanças entre as tramas. A Globo então precipitou o término da reprise da novela de Dias Gomes, roteirizada por Aguinaldo Silva. Já o autor de Pedra Sobre Pedra, na época, declarou: “Resplendor é uma cidade pequena que tem delegado, padre, beatas. É o meu universo ficcional, o que não significa que esteja me repetindo”.

- Em 06 de janeiro, data da estreia de Pedra Sobre Pedra, o Jornal do Brasil elencou outras semelhanças entre a nova trama e antigos trabalhos dos autores. Sérgio Cabeleira (Osmar Prado) era atraído pela lua cheia, tal e qual o lobisomem Astromar (Ruy Rezende), de Roque Santeiro; o desvario sexual, que norteava a trama de Jorge Tadeu (Fábio Jr.), também fora visto na energia libidinosa de Porcina (Regina Duarte), em Roque, e Tieta (Betty Faria), da novela homônima; o próprio retratista sedutor já havia sido personificado na figura de outros conquistadores, como o Osnar (José Mayer), de Tieta. E o microcosmo já citado por Aguinaldo como resposta às comparações com Roque Santeiro, era também lembrado, não só como nos lugarejos da novela de 1985 e da nova trama, como no ambiente urbano, caso do condomínio Sobre as Ondas, de O Outro, onde todos os personagens se cruzavam.

- A polêmica se estendeu após o início da novela. Segundo Aguinaldo Silva, Dias Gomes enviou a um dos diretores da Globo um exemplar de sua peça, ‘O Berço do Herói’, que serviu de base para Roque Santeiro, acompanhado de um recado irônico: se era pra copiar, que copiassem do original. Por conta do episódio, Aguinaldo declarou: “Se eu tivesse que copiar algum dramaturgo da família Gomes, escolheria, claro, o melhor, a Janete Clair”. O Jornal do Brasil, que publicara as declarações de Aguinaldo, deu voz a Dias Gomes, pouco depois.  O autor de Roque Santeiro o classificou como megalômano, e disse considerar a declaração sobre Janete Clair um desrespeito à memória da novelista. “Tendo sido ela uma pessoa de muito bom gosto, não iria reencarnar em pessoa tão feia por dentro e por fora”.

- Em meio ao imbróglio, Aguinaldo Silva e seus parceiros criaram uma cena recheada de ironia, unindo Roque Santeiro e Pedra Sobre Pedra. Naninha (Ilva Niño) exclamava ao ouvirem chamar Pilar Batista (Renata Sorrah), sua patroa, de “viúva”: “Não chama ela de viúva que ela detesta. Viúva era a outra”, numa alusão à Porcina (Regina Duarte), protagonista de Roque Santeiro e patroa de Mina, também vivida por Ilva Niño.


- A desavença ainda impediu que personagens de Roque Santeiro, e também Tieta, figurassem em Pedra Sobre Pedra, numa grande festa que encerraria o último capítulo da novela. O departamento jurídico da Globo vetou a ideia, temendo não ter o aval dos autores envolvidos nas duas obras (ou mais precisamente, o de Dias Gomes).

- Rosane Collor, então primeira-dama do Brasil, também não escapou da ironia. Rosemary Pontes (Elizangela), mulher do deputado Ivonaldo (Marco Nanini), chegava a Resplendor, vinda de Brasília, e se irritava ao ver o marido sem a aliança matrimonial. Uma alusão aos boatos de separação envolvendo Rosane e seu marido, Fernando Collor de Melo.

- Rosemary (Elizangela), aliás, serviu como crítica aos hábitos exagerados e sem propósito de figuras públicas; em especial, os políticos. Aparecia sempre ostentando um aparelho celular, tratado por ela como “bichinho de estimação”. O hábito de viver pendurada na mais nova maravilha do mundo moderno já havia sido explorado na novela anterior, O Dono do Mundo, na qual o casal Vicente (Cláudio Côrrea e Castro) e Almerinda (Beatriz Lyra) se falavam ao telefone, estando na mesma casa, mas em cômodos diferentes.

- O celular, entretanto, não se popularizou entre os telespectadores, devido a seu alto custo. Já o antúrio, que quando ingerido trazia Jorge Tadeu (Fábio Jr.) de volta à vida, virou moda. Usada apenas para decorar igrejas, a flor passou a figurar entre as mais vendidas nas floriculturas, e servia como brincadeira, já que quem a recebia era associada ao simbolismo erótico denotado na novela.

- O homossexualismo, exibido de forma velada através de Adamastor (Pedro Paulo Rangel), homem devotado ao amigo Carlão (Paulo Betti), ganhou novos contornos na trama de Pedra Sobre Pedra com o ingresso de Paulo Henrique, ou PH (Reynaldo Gonzaga) entre os personagens. PH chegara a Resplendor, acompanhado de Laíre (Nuno Leal Maia), delegado responsável pelas investigações acerca da morte de Jorge Tadeu (Fábio Jr.).  Por ser policial, o personagem logo despertou a atenção de categoria, que se incomodou com a cena em que PH tomava café na cama ao lado de Adamastor e com frases ditas por ele como “entre o preto e o branco existe o cinza”. Já o Grupo Gay da Bahia, então representado por Luiz Mott, declarou que “nada distingue um homossexual de um heterossexual no que se refere à capacidade profissional”.

- Exibido no capítulo 152 de Pedra Sobre Pedra, o Auto de Nossa Senhora da Luz fez tanto sucesso que fora transformado em especial de Natal, exibido em 23 de dezembro de 1992, logo após De Corpo e Alma. Flávio de Campos, colaborador de Aguinaldo Silva e seus parceiros e responsável pelo texto do Auto, introduziu dois novos personagens no especial; dentre eles, um menino de rua que deu o gancho para a exibição das cenas da novela, editadas para um programa de 50 minutos.

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